Friday, August 5, 2011

Os Fortes Aspiram a Separar-se e os Fracos a Unir-se

O crescimento da comunidade frutifica no indivíduo um interesse novo que o aparta da sua pena pessoal, da sua aversão à sua própria pessoa. Todos os doentes aspiram instintivamente a organizar-se em rebanhos, o sacerdote ascético adivinha este instinto e alenta-os onde quer que haja rebanhos, o instinto de fraqueza forma-os, a habilidade do sacerdote organiza-os. Não nos enganemos: os fortes aspiram a separar-se e os fracos a unir-se; se os primeiros se reúnem, é para uma acção agressiva comum, que repugna muito à consciência de cada qual; pelo contrário, os últimos unem-se pelo prazer que acham em unir-se; porque isto satisfaz o seu instinto, assim como irrita o instinto dos fortes. Toda a oligarquia envolve o desejo da tirania; treme continuamente por causa do esforço que cada um dos indivíduos tem que fazer para dominar este desejo.

Friedrich Nietzsche, in 'Genealogia da Moral'

Train - Marry Me

Wednesday, June 16, 2010

As Palavras Interditas

Os navios existem e existe o teu rosto
encostado ao rosto dos navios.
Sem nenhum destino flutuam nas cidades,
partem no vento, regressam nos rios.

Na areia branca, onde o tempo começa,
uma criança passa de costas para o mar.
Anoitece. Não há dúvida, anoitece.
É preciso partir, é preciso ficar.

Os hospitais cobrem-se de cinza,
ondas de sombra quebram nas esquinas.
Amo-te... e abrem-se janelas
mostrando a brancura das cortinas. 

As palavras que te envio são interditas
até, meu amor, pelo halo das searas,
se alguma regressasse, nem já reconhecia
o teu nome nas minhas curvas claras.

Dói-me esta água, este ar que se respira,
dói-me esta solidão de pedra escura,
e estas mãos nocturnas onde aperto
os meus dias quebrados na cintura.

E a noite cresce apaixonadamente.
Nas suas margens vivas, desenhadas,
cada homem tem apenas para dar
um horizonte de cidade bombardeadas.

Eugénio de Andrade

Tuesday, November 3, 2009

Halloween

A campainha toca... abro a porta e uma série de bruxinhos esbugalham os olhos na minha direcção:

"Doçura ou travessura?" - Disseram em coro

"Bom... aqui em casa terá que ser travessura!" - Respondi

Os bruxinhos entre-olharam-se incrédulos. Muito atrapalhados não tinham reacção. Observei o vão das escadas. Uma mãe divertida espreitava lá ao fundo quase imperceptível. Olhei-os de novo. Eles continuavam atrapalhados, até que a maiorzinha arriscou:

"Bem... podem ser bolachas..."

E o sorriso voltou a brilhar nos pequenos bruxos, agora com a esperança de se terem "safo".

"ok, bolachas de menina... das dietas eu tenho!"

O blerghh foi geral. Ainda assim fui à dispensa, e encontrei-lhes dois pacotes de bolachas integrais de maçã e passas. Eles estenderam o cesto, e um mini corajoso informou-me que não gostava de maçãs verdes e passas. Os outros concordaram. Mas lá foram felizes e contentes "assombrar" o resto dos moradores do prédio.

A Mariana diz que eu estraguei o halloween das crianças...

Sunday, October 25, 2009

Carta de Orfeu a Eurídice

I
Assim os vivos também se tornam fantasmas: Bato-lhes à porta da alma, vagueio num descampado de sentimentos, chamo-os - e vejo-os partir. Construo a solidão com os pedaços das imagens que me deixaram. Ergo edifícios a partir de memórias, de palavras, de gestos que ficaram das nossas conversas, quando o tempo se reduzia ao instante que vivíamos, e nenhum futuro nos impunha a sua sombra. Agora, porém, a que estação te irei buscar? Em que banco de jardim te irei surpreender, olhando essa manhã que marca a separação dos amantes? Limito-me a esperar que esta porta se abra, uma vez mais, e a Primavera entre para este quarto onde a noite se instalou.

No entanto, és tu que eu quero guardar neste canto onde as aves fugiram. Sei que um pressentimento de Outono fez cair todas as folhas, deixando à vista o horizonte seco como esse espelho onde nada se reflecte, com o seu descanso mais negro. Será isso aquilo a que se chama amor? Ouve: os murmúrios que nascem de uma entrega de corpos, por entre os silêncios da casa, ou então sobrepondo-se a um vago ruído de chuva, nos vidros, enquanto o desejo corre pelos teus lábios como a nuvem mais frágil do destino. E ainda: a música quem impões a plenitude de uma recompensa, como se ela pudesse durar mais do que o tempo que nos é imposto? Dizes-me: um dom doloroso. Mas o que é o amor senão esse trabalho de renúncia e entrega, a lenta bebida que nos impregna com o seu veneno, e nos concede a única vida possível?

Então, regressa da tua ausência; ou dá-me ao menos a tua sombra, para que ela me cubra com esse manto de obstinação que só os tristes arrastam.

II
Aqui é o centro. Onde a solidão me impregna com o seu sudário de lodo, e a humidade dos fundos desce pelos vidros da noite, apagando as imagens amadas. No entanto, parto esses vidros para ver o que ficou para trás: que a alquimia de sensações corre ainda por esses campos onde avanças, com a falsa convicção do amor, levando-me atrás de ti até ao limite de onde não há regresso? Que abraço de corpos sobrevive no chão seco de palavras, enquanto te levantas da memória, e o teu rosto se iliumina por entre brilhos da manhã?

Parece-me que é tarde para acertar as coisas que deviam ter sido feitas: ajustar as peças do presente nessa mesa onde se acumulavam copos e papéis; separar as questões que os dedos escondiam das respostas que entravam pela boca do desejo, até um êxtase de mãos e de olhos. Contei as queixas, transformei-as na mais doce das celebrações, arrastei o instante atè à berma da eternidade: e trouxe de volta a mais dolorosa das ilusões. De cada vez, porém, era único esse tempo nascido de uma partilha de lugares; e não dei pelo vento que soprava de dentro da vida, levando em direcções diferentes os passos que nos juntavam.

O futuro pertence aos cegos da imaginação; as suas paisagens estendem-se por esses caminhos que não voltaremos a seguir, até aos arbustos do horizonte. Não ouço nenhuma voz nos pórticos que se abriam para a mais efémera das alegrias - a que se confunde com um rosto incessante no interior da alma, a pura inscrição do amor. Guardo-te aí flor matinal, esperando que a água da vida te refloresça, e uma nova vibração te devolva à ilusão do presente. O centro é este: o lugar do encontro, onde os deuses nos roubam ao acessório, e um todo se fixa no que é aparente, e passa.

Nuno Júdice in "Pedro, Lembrando Inês"

Thursday, October 15, 2009

Torre de Babel

Não consigo escrever só porque sim. Quando escrevo, transcrevo sempre um turbilhão de sentimentos. o turbilhão que nessa fracção de segundo está a passar cá dentro. A trespassar. Cada palavra, cada frase, é recheada de algo profundo, tão profundo que talvez seja necessária a compreensão de outra mente perturbada.

Mas este é o meu ser, esta sou eu sem tirar nem por. Preenchida por uma torre de Babel de frases, palavras, letras... que podem desmoronar a qualquer momento. 

Era aqui que eu não queria voltar.

Era aqui...

Tuesday, June 12, 2007

Complicações

Não é complicado fazer uma autoanálise,
complicado é saber da minha loucura,
dos porquês,
encontrar os lugares,
visualizar os motivos...

...e não saber como sair dela (da loucura).

...e saber que ninguém me pode ajudar.

Porque ninguém sabe,
ninguém vai já a tempo!

Thursday, May 31, 2007

Não Sei

Não suporto ouvir a voz... que me contraria. Cá dentro um tumulto. As mãos tremem, a voz falha. Não sei se tenho coragem.

Não sei se devo confiar nos anjos que me rodeiam. Não sei se são anjos.

Não sei...

Eu nunca sei...

Tuesday, May 29, 2007

Determinada

A continuar a escrever, sento-me aqui agora, de mão no teclado, e olhos postos no infinito. No meu moleskine frases soltas, palavras e pequenas ideias pedem para ser finalmente escritas num contexto. Mas não sei se estou determinada a escreve-las.

No inicio pensei em fazer uma pequena apresentação, sem contudo ser uma apresentação convencional. Mas abandonei essa ideia… quando me deparei com a impossibilidade de dizer quem eu sou. A razão é lógica. Eu não sei.

Um pouco perdida, nas minhas questões nos meus conflitos pessoais, que são autênticas guerras comigo própria, baralho tudo, transformo em caos, e tende geralmente para a indeterminação.

No fundo eu não encaixo.

Mas sobre isso, vou escrevendo. Vou-me aos poucos dando a compreender, mesmo que não me consiga compreender. Foi para isso que fugi para este espaço.

Porque estou determinada a continuar a escrever.